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não exato.



algo sobre a inexatidão ;



Ensaio sobre o tempo

sábado, 30 de janeiro de 2010

Não sei se por hábito ou necessidade, mas não sei andar sem relógio. A atitude de olhar para o pulso é quase instintiva e, se não encontro o que ver, eis que surge o incômodo.
Na verdade, é como estar preso um pouco por vontade, um pouco por costume e um pouco por necessidade às garras do tempo. É se deixar envolver pelos laços invisíveis que dele partem e nunca sabemos aonde chegarão. É ser abraçado pelos braços infinitos desse companheiro que chamamos de tempo.
O tempo, por si só, é paradoxal. Às vezes, se existe demais, incomoda. Se existe de menos, faz falta. Se existe no que seria a medida certa, pode ser como se não existisse. O tempo também é relativo e cada coração possui seu próprio relógio, cujo tempo talvez passe de acordo com suas batidas. Alguns deles estão disparados, descontrolados, enquanto outros correm tão lentos. Alguns, por sua vez, estão completamente paralisados. Ou quase. E tantos outros são relógios de tempo desconhecidos, pois quando não se conhece o próprio coração como saber a quantas o tempo passa?
E o tempo, real e definitivamente, passa. E como numa avenida de mão única, ele simplesmente passa, porque voltar é impossível. Poucas coisas ou quase nenhuma nessa vida são impossíveis. O tempo voltar é uma delas.
O tempo também é incontrolável. O coração pode dizer como o tempo passa em cada alma, mas a vontade de segurá-lo ou fazê-lo acelerar em nada influencia. Ele vai passar. Ou vai demorar a passar. Mas, seja como for, o tempo é soberano.
O tempo tem razões próprias, motivos únicos, explicações características. E isso tudo nem sempre é perceptível – e mesmo quando o é pode não ser compreensível.
Em sua trajetória sempre de ida e nunca de volta, o tempo traz e leva muita coisa. No mesmo instante. É como alguém que dá um presente e depois toma e volta a dar e volta a tomar. E dá novamente para tomar mais uma vez. O tempo traz certezas. O tempo as leva. O tempo traz dúvidas, medos, inseguranças. E os leva de volta. O tempo nos traz amores. O tempo nos toma. O tempo nos devolve. O tempo nos toma novamente. E mais uma vez nos traz. O tempo traz dores. O tempo as leva para longe. O tempo traz pessoas. O tempo as afasta. Mas existe uma coisa – ao menos uma coisa – que o tempo não traz e só leva se assim for permitido: a felicidade. Ser feliz depende de cada um e ainda que o tempo ajude e atrapalhe – e mais ajuda do que atrapalha, em verdade -, a felicidade é uma conquista. E conquistas nem mesmo o tempo pode apagar. Conquistas são atemporais. Talvez por isso é que o tempo de ser feliz é hoje. Bem agora.
Dentre tantos presentes que o tempo dá, o tempo também presenteia com lembranças. Boas e más. Algumas seguem o ritmo um tanto quanto natural e são tomadas e devolvidas e tornam a ser tomadas e tornam a ser devolvidas... Mas algumas são conquistas da alma e do coração e, felizmente ou não, não podem ser tiradas de nós. E se nem o tempo pode tirar, quem sabe o que poderá fazê-lo?
Normalmente, o tempo passa devagar para o que se preocupam demais com ele, com seus corações aflitos e vagarosos. Para aqueles que estão tão ocupados em viver uma boa vida e ainda assim o encaram como o companheiro inseparável que ele é, o tempo, muitas das vezes, parece imperceptível. Não por não existir, mas sim por passar tão rápido que se torna difícil enxergá-lo. E quando se vê lá se foi muita coisa e já se passou muito tempo. E então surge uma contradição: ou há preocupação com o tempo ou vive-se de verdade.
Então, a única maneira parece ser viver de braços abertos, inclusive para o tempo, tendo-o como o amigo que não irá abandonar. Mesmo que você queira ser abandonado. Mais que isso, tendo-o como parte de si. E aceitar que mesmo que ele passe em um ritmo diferente do desejado, ele vai deixar marcas. Marcas que serão tão boas e tão felizes quanto o coração assim permitir
Não sei andar sem relógio e talvez tenha descoberto um motivo além de hábito e necessidade: não gosto de me perder no tempo. Mas às vezes é preciso, simples e justamente para que eu possa me encontrar.

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